Diário Underground #5

Diário Underground #5

16 de maio de 2018 4687 Por Yasmin Ramyrez

No começo do ano eu vi o vocalista de uma banda underground utilizar tempo de seu show pra dizer que a música feita no Pop brasileiro atual era um lixo, que não era música de verdade e que ele estava feliz em ver que ainda havia pessoas de bom gosto e inteligentes, como as ali presentes. Fiquei com vergonha de gostar de Rock e de estar ali.

 

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Por que rockeiro é tão mala? Por que cita um trecho da Rock Brigade (um salve a essa revista que faz parte da minha vida!!) de 1996 como se fosse o “Livro da Vida” ou trecho de tese de mestrado? Por que quem ouve Rock tem que ficar apontando o dedo na cara dos outros pra deixar bem claro que o que ele ouve é melhor, o que ele sabe é melhor e muito maior do que o que os outros sabem? Por que a gente ainda acha que o Rock (meu deus, socorro!) é melhor do que os outros gêneros musicais?

A gente vive reclamando que não tem xovens no Rock, que na cena da nossa cidade não tem moleque fazendo banda, que a cena tá morrendo. Mas todas as vezes que a gente tem oportunidade de esculachar alguém que tá curtindo som a menos tempo que a gente (ou até mesmo quem já tá na pista faz tempo) a  gente vai lá e faz. O Rockeiro padrão se sente muito superior e quase goza ao vomitar verdades decoradas e egocêntricas. Tô falando bobagem? Atire a primeira pedra quem nunca ridicularizou um fã de Restart ou um fã de New Metal; quem nunca crivou de perguntas uma garota com camisa de banda (além de chato, você é machista); quem nunca “deu aula” sobre o quanto as bandas mais antigas e “puras” eram melhores. Isso é um monte de merda que fez com que as últimas gerações se desconectassem por completo entre si. E óbvio, a galera correu do Rocks.

 

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A banda de Japeri/RJ Ódio Ungido mandando o papo. Não concordo, mas apoio a iniciativa. Em tempo: quer tocar com eles? hehe

Agora é isso aí … todo mundo que passou dos 30/40 pergunta “o que houve com o underground?”. Posso estar MUITO errada, não tenho problema em estar (e a caixa de comentários tá aí pra isso mermo), mas tenho pra mim que boa parte de responsabilidade nisso, é nossa. Por atacar o Rock no maisntream o tempo todo, por atacar os outros fãs de Rock o tempo todo; por não ouvir as bandas locais (tô me redimindo apoiando em tudo o que posso fazer); por atacar as rádios de Rock o tempo todo (também tô me redimindo! kkkk); por ridicularizar as bandas que não estão de acordo com o que achamos que deve ser o underground; por não pagar a entrada dos points de Rock (tenho minha cota nisso também, tô tentando me redimir mas tá tudo caro! kkkk); por sermos chatos pra caralho!!!!

Falando em se redimir. Hoje mesmo, quarta-feira 16 de maio, eu conheci *Marcão. Ele está no Ensino Médio e eu já o havia visto perambular pela escola. Marcão tem 17 anos e antes mesmo de conversarmos, percebi que pelo visual ele curtia Metal Tradicional: bermuda jeans preta, colete jeans, camisa da escola, cabelo bem comprido desembaraçado seco, anéis de caveira em todos os dedos, fone de ouvido, brinco. Um colega dele disse “a professora entrou pra uma banda de Punk Rock” e aí começamos o papo enquanto eu organizava os livros da sala de leitura. Marcão citou SlayerKreatorKing DiamondMetallicaMegadethSarcófago… com muita desenvoltura, com naturalidade, sem ser pedante. Eu que não ouço Metal tem muito tempo (parei de ouvir Metal em 1999, quando comprei um vinil de Dolores Duran na feira de domingo em Caxias), tive muito prazer e alegria em ouvi-lo. Mais ainda em saber que está estudando baixo e quer montar uma banda. Uhoo!

Ao final do papo estávamos “trocando figurinhas” de bandas underground. Ele disse pra eu ouvir Krisiun e Violator (fingi que não conhecia rsrs) e eu falei pra ele ouvir NervosaMetalmorphose e Facing Fear. Não resisti, e óbvio, puxei a brasa pra sardinha das bandas de  PUNK ROCK e HC que tô curtindo muito no momento: citei Ramyrez 77, Cine Sinistro (eu tentando explicar como era e ele perguntou “Ah! é tipo Nardones?“, abri um sorriso), HaléCharlotte Matou um Cara, Ratas Rabiosas, Mau Presságio Inércia SG. Abri a internet e mostrei algumas coisas. Dei o máximo de atenção possível, não menosprezei suas vivências (ele contou que se sentia malvadão quando começou a ouvir Rock aos 12 anos, rimos juntos) e ainda fui zoada por não ter mais estômago (literalmente) pra beber aquela sangria barata tradicional do rolé.

Antes de sair da sala de leitura ele disse empolgado: “Cara! Você é minha melhor amiga agora!”. Eu ri do exagero, roqueiro é carente pra cacete. kkkkk

Concluo: o pior do Rock é o fã de Rock. Mas eu tô tentando me redimir.

 

*Nome fictício.

 

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Diário Underground, minhas histórias no underground Rock n Roll do Rio e Baixada Fluminense, todas as quartas aqui no blog da Oficina do Demo. Críticas, sugestões, comentários? É sobre o texto? Caixa de comentários, logo abaixo do texto. É pessoal? Vai no reservado. Beijinhos paçoquísticos.

Ouça bandas independentes.  Vá aos shows.  Curta e compartilhe material das bandas na internet.

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Who’s that girl?

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Paçoca Psicodélica, vulgo Yasmin Ramyrez. Cigana-hippie-punk, libriana, filha de Oyá, feminista com ascendente em tretas, mãe de adolescente. Educadora, escrivinhadeira, “missionária” do coletor na Copinho da Revolução, aprendiz de cartomante, ex-doula, no underground desde 1996, co-criadora e produtora do Festival Hippie Punk Beatnik, vocalista e produtora da Ramyrez 77, produtora e apresentadora do podcast Bora Marcar?, colunista quinzenal em One Degrau, fábrica de ideias.