NO TALO!

NO TALO!

11 de abril de 2018 462 Por Eddie Asheton

!Hola, amigos!

Eu sou Eddie Asheton, baixista do Blind Horse, e esse é meu novo espaço aqui na Oficina do Demo! Minha idéia é de falar sobre a nossa velha amiga música. Seja através de resenha, entrevista, matéria… ao sabor do vento! Pra esse primeiro “No Talo!” segue a primeira parte de uma matéria que fiz sobre algo que eu gosto muito, o rock feito na Turquia nos anos 60 e 70. É apaixonante. Vale a pena correr atrás nos Spotify’s e You Tubes da vida.

Dito isso, segue abaixo a matéria. Divirtam-se e ouçam o bom e vleho rock’n’roll sem moderação!

 

ANADOLU POP – ou “Os Turcos Elétricos dos anos 60 e 70” – Parte 1

 

                Hola, amigos! Devo confessar que um dos meus passatempos é sentar à frente do computador e descobrir bandas (principalmente dos anos 60 e 70) dos mais variados países. Foi numa dessas “viagens” que tive o meu primeiro contato com o chamado Anadolu Pop. Isso foi lá pelo final de 2005. De lá pra cá conheci uma série de maravilhosas bandas turcas que atuaram nesse período.

                O primeiro disco que escutei do estilo foi a coletânea “Hava narghile: Turkish Rock Music, 1966 to 1975 – Vol.1” (até hoje não tive notícias de um segundo volume. Alguém por aí sabe?), do igualmente curioso selo Dyonisus Records. Antes mesmo de ter o disco em minhas mãos eu escutei trechos curtos das músicas no Amazon (carinhosamente apelidado por mim de “Amazão”), e foi o suficiente pra que eu me apaixonasse logo de cara! E não foi um mero caso de atração pelo exótico, foi mais do que isso, é difícil de explicar com palavras!

                Bom, chega de elogios e rasgação de seda, e vamos saber um pouco mais da estória do tal Anadolu Pop, desse pessoal que merece ser escutado! Vocês verão que os turcos são muito mais do que árabes metidos a europeus, como costumam dizer por aí!

A Pré-História

                Diferente do que se pode pensar, o Rock’n’roll chegou à Turquia ainda nos seus primeiros anos, mais exatamente em 1956. Uma curiosidade é que não foi Elvis Presley, Chuck Berry ou Little Richard o primeiro artista ou banda a despertar os jovens turcos para o Rock’n’roll nesse primeiro momento, mas sim… The Shadows! Quem diria? Isso se explica por dois principais motivos: primeiro foi o fato de os turcos já estarem bem habituados a escutar música instrumental, que era uma das principais características do som da banda inglesa. A outra razão foi a dificuldade inicial dos turcos em entender o que diziam as letras desses novos ídolos do Ocidente, já que não há nenhuma raiz comum entre as línguas turca e inglesa.

                Um fator que ajudou na disseminação do novo estilo musical na terra de Ahmet Ertegun (fundador e primeiro presidente da mais que famosa Atlantic Records, gravadora de gente grande como o Led Zeppelin e o Yes, e uma das figuras mais respeitadas no meio musical até a sua morte, em 2006) foi o bom momento político pelo qual o país passava. Em 1961 iniciou-se o período mais democrático da história do país. Ano após ano aumentava o nível cultural da população de uma maneira geral, e os números de discos vendidos aumentavam como que em progressão geométrica. Essa democratização e “primavera cultural” do país, entretanto, não impediram que nos anos 50 e 60 os rockers turcos fossem hostilizados pelo resto da população, chegando até mesmo à agressão física. Erkin Koray, talvez o guitarrista mais famoso a surgir na Turquia, disse certa vez que já foi atacado várias vezes com facadas (isso mesmo, facadas!) ao andar pelas ruas de Istambul! Tudo isso devido ao tamanho do seu cabelo!

Altin Mikrophon

                Apesar da influência marcante dos Shadows sobre as primeiras bandas de rock turcas nos anos 50, não foram eles que provocaram a grande explosão no número de bandas na Turquia. Essa se deu na década seguinte sob a influência deles, dos Beatles, claro! Os 4 fabulosos de Liverpool conquistaram o mundo inteiro com suas franjas, botas pontudas de salto cubano e ótimas músicas, e na Turquia não foi diferente. Daí pra outras bandas como os Rolling Stones e os Animals fazerem a cabeça dos guris turcos foi um pulo. Agora sim a confusão tava pronta! Só faltava um empurrãozinho da grande mídia.

                E esse primeiro impulso não veio nem da TV (que por sinal engatinhava na Turquia nessa época, já que o primeiro canal de TV turco, estatal, foi inaugurado em 1964) nem da rádio, mas sim de um dos maiores jornais da Turquia, chamado Hürriyet. No ano de 1965, ao se dar conta dessa explosão de bandas, o jornal resolveu fazer um grande concurso de bandas, chamado Altin Mikrophon (em português, “microfone dourado”) para ajudar as bandas então amadoras a ter seus nomes divulgados em todo o país. As bandas e artistas vencedores ganhavam como prêmio a gravação e lançamento de um single com distribuição nacional.

A essa altura do campeonato nem havia sombra do rótulo “Anadolu Rock”, mas sem querer o jornal ajudou na criação do estilo, uma vez que os músicos que quisessem participar do festival teriam que compor músicas em turco ou fazer a adaptação de um tema tradicional, tocando-o com instrumentos ocidentais. Entre as bandas e artistas a participarem dessa primeira edição (sim, depois dessa tiveram outros Altin Mikrophons) estavam alguns que continuariam a atuar nos anos seguintes, como Mavi Isiklar (que ficou em segundo lugar), Silüetler (que em turco quer dizer “sombras”, ou seja, Shadows!) e Cem Karaka, um dos cantores mais famosos e criativos da Turquia, e que aqui cantou junto com a banda Apaslar.

                Nessa época era prática muito comum as versões tanto em turco quanto em inglês de músicas de bandas estrangeiras, sendo que algumas dessas músicas foram gravadas por várias bandas turcas no mesmo período. Podemos encontrar dois exemplos dessas versões na já citada coletânea “Hava Narghile”: “Short Circuit”, da obscura banda de garagem americana ID’s, ganhou uma letra em turco e virou “Sasirdim”, nas mãos da banda Kaigisizlar em 1968. E o mesmo aconteceu com a música “For your information”, da banda libanesa The Cedars (ou Sea-ders, dependendo da fonte de consulta), que foi gravada pelo Mavi Isiklar nesse mesmo ano com o nome “Iyi Düsün Tasin”.

E eis que surge o Anadolu Pop

                Diz a lenda que quem criou o termo Anadolu Pop (muitas vezes usa-se também a variante Anatolian Rock) foi Murat Ses (Ses significa “som” em turco) em 1968. Nessa época ele era tecladista da banda Mogöllar. O Mogöllar ainda estava bem no seu começo, mas já tinha um certo status de supergrupo, pois foi formado através da fusão de ex-membros de duas outras grandes bandas, o já citado Silüetler e o Selcuk Alagöz Orkestras.

                E por que Anadolu Pop? Porque a maioria das bandas vinha da região da Anatólia. Na verdade esse rótulo acabou sendo usado para todas as bandas e artistas turcos do período, independente das diferenças sonoras. Lembram-se do fenômeno Grunge de Seattle nos anos 90, que colocava no mesmo balaio de gatos bandas como Nirvana, Soungarden e Melvins? Pois é, com o Anadolu Pop foi a mesmíssima coisa. Senão, vejamos: “Agit”, do Yabancilar, lembra muito o Floyd dos primeiros discos. E foi gravada no mesmo ano do disco de estreia dos ingleses, em 1967. Ou seja, não dá pra dizer que é uma mera cópia. Erkin Koray é considerado por muitos o Jimi Hendrix turco, e Baris Manço (lê-se Mancho) o seu Elvis. Não tanto pelo som que fazia, mas por causa da sua grande popularidade. E ainda havia espaço para bandas mais funk, como o Hardal, e para músicos folk (ou algo parecido, como veremos mais adiante), como a cantora Selda Bagcan. Outras regiões de onde saíram grandes bandas e artistas nesse período foram Istambul (que nessa época já era a maior cidade da Turquia) e Ankara, a capital turca.

Um instrumento muito usado pelas bandas e artistas do então batizado Anadolu Pop era o Saz, que era um instrumento de cordas parente da cítara, digamos assim. Feridun Hürel, guitarrista da banda Uç Hürel – que, como diz o nome, era formada pelos 3 irmãos Hürel (Uç é 3 em turco) – usava já em 1970 um instrumento de dois braços, um de guitarra e um de saz. Ao escutar as músicas dessas bandas e artistas podemos perceber, mais em uns do que em outros, a fusão perfeita entre os sons exóticos da música folclórica local e o Rock’n’roll ocidental. Nota-se a clara influência de bandas como Pink Floyd, Black Sabbath, Deep Purple, entre outros.