NO TALO #10

NO TALO #10

14 de junho de 2018 536 Por Eddie Asheton

O FIM A UM PASSO DA FAMA: OS ENCONTROS E DESENCONTROS DOS CEDARS

Sea-Ders / Cedars – The Sea-ders (2008)

 

Se, na Londres festiva de 1967, algum Paul McCartney da vida dissesse em mais uma entrevista para o Novo Expresso Musical que os Cedars eram a grande novidade do momento com sua mistura de rock’n’roll com escalas e instrumentos do Oriente Médio, talvez a carreira dos nossos amigos tomasse um rumo diferente. Talvez sim, talvez não. É bem provável que deixassem para a posteridade mais do que os 4 compactos e um EP que deixaram para trás.

Para grande sorte de todos nós, em 2008 a etiqueta Groovie Records – de Portugal, ô pá! – lançou The Sea-Ders, que junta todo o material lançado pelos Sea-Ders, que depois do lançamento de seu primeiro compacto mudaram o nome para The Cedars. É um disquinho curto, são apenas 8 músicas em rapidíssimos 20 minutos. Mas cada segundo aqui vale ouro! Não apenas pela curiosidade exótica e valor histórico, mas também pelas ótimas músicas.

Os Sea-Ders começaram em 1964 em Beirute, no Líbano. 2 anos depois lançaram seu primeiro compacto, com as músicas “Thanks a lot” e “Better Loved”. Assim como as outras seis músicas que a banda gravaria e lançaria nos dois anos seguintes, essas duas foram compostas pela dupla de guitarristas da banda, Albert John Haddad e Raymond Azoury. As duas já dão um bom exemplo do som característico da banda: um cruzamento das convenções tradicionais do rock com escalas típicas do Oriente Médio, uma união de instrumentos libaneses com as guitarras, baixo e bateria de praxe. Muitas bandas inglesas e americanas já haviam feito essa mistura antes, mas dessa vez era o Oriente que ia ao encontro do Ocidente!

Esse encontro aconteceu de forma literal, já que a banda assinou com a gravadora Decca e se mudou para Londres, onde no ano seguinte, em 1967, saía seu segundo compacto, já com a banda usando o nome de The Cedars. Na verdade esse segundo disco trazia a mesma “Thanks a lot” do compacto libanês com “Undecidedly” no lado B. Arrisco dizer que, das oito músicas lançadas pela banda, “Undecidedly” foi a que tinha a sonoridade de sua terra natal mais em evidência. Nesse mesmo ano saiu o primeiro e único EP, que trazia as 3 músicas anteriores e uma música nova, “´Cause I do Care”, com um quê de Everly Brothers.

Poucos meses depois, já em 1968, saiu seu segundo compacto pela Decca, e que trazia no lado A sua música com mais apelo comercial, “For Your Information”. Como eles não estouraram na Inglaterra com essa música é um mistério para qualquer um que a ouviu, pois é impossível não ficar com ela grudada na cabeça e com vontade de ouvi-la de novo, de novo e de novo! Ouça e entenda o que eu quero dizer. E prepare-se para repeti-la algumas vezes!

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“I like the Way”, com “I don’t know why” no lado B, foi o terceiro e último compacto lançado pela Decca. São boas músicas, mas pra mim esse é o disco mais fraco da banda. E provavelmente não chamou a atenção na Inglaterra da época por um detalhe: os dois lados do compacto soam muito como algo lançado pelos Troggs e pelo Who, respectivamente, em 1966. E soar como algo de dois anos antes naquela época e lugar era quase um pecado mortal. No mínimo um sinal de fraqueza. Apesar disso essas músicas têm seus pontos fortes: o solo de buzuq (uma espécie de bandolim) em “I like the Way” e o baixo potente e as vocalizações a la Tomorrow de “I don’t know why”.

1968 foi também o ano em que terminou a história da banda, de uma forma triste. Como nenhum de seus três compactos nem o EP venderam bem, a Decca termina o seu contrato com a banda. Sem dinheiro, gravadora ou shows à vista, os quatro músicos se vêem forçados a se desfazer do seu equipamento para poder voltar para o Líbano.

“For Your Information” não foi um sucesso na Inglaterra, como já vimos. Mas em 1969 a Decca lançou o compacto “For Your Information” / “Hide if you want to Hide” na Turquia. E dessa vez o disquinho finalmente emplacou nas paradas, tanto que suas duas músicas foram regravadas por bandas e cantores turcos, tanto em inglês quanto em turco. A versão mais famosa de “For Your Information” foi “Iyi Düsün Tasin”, lançada pelo Mavi Isiklar nesse mesmo ano de 1969. Essa versão, inclusive, aparece na coletânea “Hava Narghile”, já citada nos dois primeiros números de No Talo!

Agora fica a pergunta: até que ponto dá pra dizer que a trajetória dos Sea-Ders / Cedars foi um fracasso? Pode até ser, se nós a compararmos com a de alguns de seus pares americanos ou ingleses. Mas imagine quatro garotos libaneses que em plena década de 60 que assinam contrato com uma gravadora inglesa! Isso por si só já seria um grande feito. Mas além disso eles se mudam pra Londres e fazem shows e gravam e lançam discos por lá.  E tudo isso num dos períodos mais quentes da música pop de lá, entre os anos de 1966 e 1968. Imagine os shows que eles fizeram e presenciaram! Que outras bandas libanesas conseguiram tal façanha? Até onde eu sei, só eles mesmo.

E outra coisa tem que ser dita. Eles não alcançaram o tão almejado sucesso comercial, mas fizeram as coisas do seu próprio jeito. Não apelaram pras então comuns versões requentadas dos grandes sucessos radiofônicos. Lançaram apenas oito músicas, sim. mas todas compostas por eles. E é bem provável que, se tivessem ficado em Beirute ao invés de tentar a sorte em Londres, pessoas como eu e vocês não tivéssemos acesso a essas pequenas maravilhas!

Pra fechar essa resenha, mais uma da série “Coisas que não consigo entender”: por que os quatro rapazes de Beirute não resolveram se juntar de novo depois do sucesso de “For Your Information” e “Hide if You Want to Hide” na Turquia? Será que ficaram tão traumatizados assim pelo que passaram na Inglaterra, passado o deslumbramento inicial? Seria muito interessante ver o que eles poderiam fazer e conquistar na Turquia, num cenário musical tão rico e povoado por Erkin Korays e Baris Manços! O que eu não daria pra ouvir um álbum completo dos Cedars, gravado e lançado em Istambul em 1969 ou 1970…